sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

REFLEXÃO TEOLOGICA


Introdução
Propomos começar com uma visão teológica do ministério: quer dizer, encará-lo não apenas como um fato humano e empírico, mas que se relaciona com a Igreja, que existe no mundo com o propósito de promover a reconciliação do homem com Deus. Começamos, por conseguinte, com o Senhor como Cabeça do Seu Corpo, a Igreja, e com sua missão derivada do Pai.
 

Essa dupla relação envolve uma correspondente duplicidade na idéia do ministério: por um lado representa o caráter profético, sacerdotal e real inerente à Igreja como sendo o Corpo de Cristo, e, por outro lado, ser responsável como guardião da mensagem do Evangelho, dos Sacramentos e do rebanho. Como, então, tal idéia se traduz em termos de governo da Igreja?
 

A nossa resposta é que é necessário um ofício na Igreja, que represente, primeiramente, em cada lugar, a relação de Cristo com a Igreja, em segundo lugar expresse a unidade do ministério cristão em termos de espaço e de tempo, e, em terceiro lugar a quem foi confiado a comissão dada pelo Senhor ao Seu Enviado, a qual subsiste na Igreja, a quem foi confiado os detalhamentos e o estabelecimento de formas subsidiárias de ministério, onde deverá sempre existir um ofício central do ministério apostólico, ou seja aquele que leva o nome de bispo.

1. O Ofício do Bispo em Relação a Cristo
Ao Filho de Deus pertence uma Missão, um Sacerdócio e um Reinado, que em cada caso é uno, no sentido inclusivo de convocar para reunir, e que compreende em si mesmo todos os ministérios dos seus servos. Ele é a Palavra de Deus, enviando muitos mensageiros que em suas vozes sua única palavra seja ouvida; o Sacerdote em quem e por meio de quem a Igreja oferece sacrifício e é oferecida como um sacrifício vivo para Deus; o Rei e Pastor, cujo papel pastoral os homens são chamados a administrar e obedecer. Por conseguinte, embora existam muitas Igrejas locais (NT: Dioceses) em todas as partes do mundo cada uma delas o Senhor está presente como Sua Cabeça; assim, de certa forma, o todo está presente em cada parte, e cada Igreja local é a Igreja, o Israel de Deus naquele lugar.
 

A natureza sacramental da Igreja e do próprio homem demandam que o ministério da Graça seja mediado por sinais exteriores e visíveis. Há a necessidade que exista no edifício da igreja uma pia e um rito para o batismo, uma liturgia para o louvor e a oração, uma estante, a Bíblia e um leccionário, um púlpito para a pregação, um altar, uma liturgia, e um sacramento do sacrifício de Cristo e da união dos membros do Corpo com Ele, e deve haver ministros para conduzir os cultos. Mas, também, a Igreja naquele lugar ou região deve aparecer externamente como uma, mesmo quando composta por muitas congregações; deve haver um oficial como Sua Cabeça, cujo ofício simbolizará e mediará a unidade de todos em Cristo, formando um centro e foco da unidade para todas as partes e categorias que possam aparecer, e entre todos os níveis, sexos, idades e raças, “para que todos sejam um em Cristo”. Acima de tudo não deve haver divisão no sacramento da própria unidade: a Eucaristia. A ninguém deve ser permitido ajuntar um grupo de amigos e assumir o direito de celebrar a eucaristia separadamente: todas as celebrações do sacramento, sem exceção, devem estar sob o controle do oficial que representa a unidade da Igreja em Cristo, e cada celebrante dever ter a sua autorização formal. O nome desse oficial é o bispo.
 

Desse modo ao bispo tem sido atribuído pela tradição da Igreja a plenitude do poder sacramental. Esse ponto foi admiravelmente explanado pelo Dr. Kidd (Theology, vol.XXXI, n.º182):
“O princípio é que o bispo originalmente, como summus sacerdos (Tertuliano, De Baptismo, XVII) “tem competência plenária no que diz respeito aos sacramentos, e é o ministro normal de todos eles” (Swete, História da Igreja Primitiva e o Ministério, p.381); e é somente uma questão de quanto ele acha necessário delegá-los. Com a expansão da Igreja, ele teve que delegar a maioria deles – Eucaristia e Penitência, com outras responsabilidades tal como a pregação – aos Sacerdotes Paroquiais; o Batismo, desde que dos dois sacramentos necessários para a salvação ele era o mais demandado, e ele teve que o delegar mesmo a leigos; mas, um sacramento o bispo nunca delegou: a Ordenação, nem, de modo algum, a Confirmação, porque se não pessoalmente ministrado por ele, somente poderia ser ministrado com elementos que ele tivesse consagrado”.

Então o Dr. Kidd cita Dom de Puniet:
“Genericamente falando, pode ser dito que todas as cerimônias litúrgicas são privilégio do episcopado, que possui a plenitude do sacerdócio. Originalmente todos os sacramentos eram administrados pelo bispo ou por delegados escolhidos por ele... Mas, com o passar do tempo, sem que tenha sido reduzido, de qualquer modo, sua suprema autoridade, permitiu-se o sacerdócio tornar-se os ministros ordinários para realizar certos ritos de sacramentos, outros ritos, pelo contrário, têm sido reservados para os poderes sacerdotais plenos do bispo”.

E prossegue o Dr. Kidd:
“Não é o caso de que tais poderes pertençam indiferentemente aos membros da Igreja, e, então foram concentrados ou monopolizados pelo sacerdócio. É o inverso: a autoridade pertencia originalmente ao bispo, e ele nunca delegou o direito de celebrar a Eucaristia a ninguém mais abaixo do nível dos sacerdotes. A questão, portanto, não é "Porque somente um Sacerdote pode consagrar a Eucaristia?”, mas, “Como veio a acontecer que um sacramento possa ser celebrado por alguém outro que não o bispo?”.

Esse fato, que o bispo é tido como contendo a plenitude do poder sacramental, torna-se imediatamente inteligível quando visto em relação à unidade da Igreja, que é assentada sobre o único Apostolado, Sacerdócio e Reinado de Cristo.

2. A Unidade do Ministério
O bispo mantém seu ofício como algo para o qual ele é designado, e que ele recebe. Ele é o último de uma longa linhagem de ocupantes de sua Sé, ou se sua Sé for uma recém-criada, ela foi fundada de outra, e a sucessão do ofício pode, em cada caso, ser traçada, retroativamente, a uma das Igrejas apostólicas. Ele tornou-se um bispo em sua sagração, e a sucessão de consagradores é afirmada retroativamente, de forma semelhante, àqueles que receberam autoridade para ministrar dos apóstolos do Nosso Senhor. Aqui nós temos  os dois sentidos em que o termo Sucessão Apostólica é usado.
 

É no primeiro desses dois sentidos que os escritores do segundo século baseavam seu argumento principal: eles apontavam para como as tradições das grandes Sés remontavam aos apóstolos fundadores, e eles eram capazes de apresentar as listas dos bispos até o seu próprio tempo. ainda hoje, a Igreja em toda a parte vive por uma contínua tradição, cuja primeira origem remonta aos apóstolos de Jesus Cristo, e da qual um bispo tem sido designado para ser o guardião responsável.
 

É verdade que a maioria do ensino e da pregação é feita por outros, e que através da História da Igreja a tradição tem sido construída e enriquecida por uma série de indivíduos dotados de carismas, e que, em sua maioria, tem sido bispos. Mas o fato de que há uma sucessão oficial de guardiães responsáveis indica que a Igreja não foi fundada sobre Paulo, Agostinho, Domingos, nem sobre Lutero, Wesley ou Pusey, mas sobre o Mestre, em cujo nome esses homens desejaram falar. Foi essa verdade que Paulo teve que enfatizar aos Coríntios, quando ele destacou os verdadeiros lugares que cabiam na economia divina a Paulo, Apolo e Cefas.
 

O segundo sentido da Sucessão Apostólica é a transmissão de um ofício ministerial a certas pessoas, para que elas possam agir em nome de Cristo: isso tem lugar no rito de ordenação ou sagração.
 

O ato de ordenação é o ritual de formalizar a continuidade da idéia bíblica do enviado. Da mesma maneira que o Filho deriva sua missão do Pai que o enviou, assim o envio original é renovado em cada ordenação, e assim “O que é enviado é aquele que envia”, assim cada ordenação recente de um bispo é uma outra incorporação na Igreja do único Apostolado, Sacerdócio e Reinado de Cristo, à medida que mais um novo bispo é neles cooptado. Essa parece ser a idéia que São Cipriano expressa em sua famosa sentença, Episcopus unus est, cuius a singulis in solidum pars tenetur: o ofício episcopal é um todo, uno e indivisível, e os bispos, como indivíduos, juntamente o compartilham.
 

Nesse episcopado coletivo, que é em si uno, cada bispo se constitui em um elo vivo entre a Igreja do seu lugar e outras Igrejas locais, mas também entre a Igreja de hoje e aquelas gerações que passaram, e, poderíamos acrescentar, às gerações ainda não nascidas. “A continuidade da Comissão ministerial incorpora na esfera da ordem o princípio da Apostalicidade, no sentido da contínua missão que nos vem de Cristo e do Pai (João.20:21)”.
 

Assim, o episcopado é o símbolo da unidade do ministério cristão, a despeito do tempo, pela sucessão, e a despeito do lugar em sua exposição mundial. Não é que essa unidade seja uma nova agregação de indivíduos separados, mas uma unidade real, consistindo no fato de que todos esses ministérios compartilham um mesmo ofício, sendo nada neles mesmos, mas tendo sido enviados no nome daquele Apóstolo, Sacerdote e Pastor do rebanho. Esse ministério deles é o episcopado.

3. A Comissão Apostólica
Nosso Senhor não deixou Seu Evangelho para ser proclamado por quem quer que o quisesse fazer, mas, antes, encarregou pessoas responsáveis.
 

Os apóstolos eram enviados não só para serem testemunhas da ressurreição, mas também como servos da Casa de Deus, ministros da Palavra e dos sacramentos, e para ter a cargo o cuidado pastoral da comunidade.
 

As evidências do Novo Testamento demonstram a designação do ancião em cada cidade (At.14,23), e o reconhecimento da autoridade Estéfanos e Demétrio (I Co.16,15; III Jo.12), ao lado de Timóteo e Tito das epístolas pastorais, nas palavras de São Clemente “eles designaram suas primícias, quando eles as tinham provado pelo Espírito, para serem bispos e diáconos àqueles que deveriam crer” (ad Cor.XIII).
 

Aqueles que são mencionados como episcopoi no Novo Testamento, ou como exercendo episcopé, são presbíteros.
A verdadeira distinção não é entre dois nomes, os quais podem descrever as mesmas pessoas, mas entre os graus de autoridade que realmente existia na Igreja do Novo Testamento. Nós encontramos ali um Ministério Essencial, consistindo dos apóstolos e aqueles deixados por eles plena e responsavelmente encarregados, e um Ministério Dependente, consistindo daqueles em posições subordinadas em diversos graus. O que é de ordenança divina é a Comissão apostólica, e o Ministério Essencial, qualquer que seja o nome com que seja designado, é o portador dele. A Igreja recebeu do Senhor essa Comissão apostólica, para administrá-la e verificar se ela é devidamente exercida, mas ela não tem poder para alterar os termos dessa comissão. Aqui está a distinção entre o que é ordenança divina e o que é ordenança humana. É ordenança divina que o Ministério Essencial seja mantido; mas à Igreja é atribuído decidir questões sobre se dioceses devem ser grandes ou pequenas, e que funções devem ser atribuídas ao Ministério Dependente.
 

Assim, em Hipólito a oração de ordenação dita sobre um bispo especifica suas funções litúrgicas, mas aquela a ser dita sobre o presbítero busca para ele o espírito de conselho e de graça para governar corretamente, e não pode ser provado a partir dessa oração que um presbítero tome o lugar do bispo como celebrante quando o bispo estiver enfermo. Ou, outra vez, o diaconato na Igreja primitiva, como entre os Ortodoxos hoje, era mantido por toda a vida, e tinha funções litúrgicas determinadas, mas na Igreja Ocidental se tornou em um degrau para o sacerdócio.
 

Vamos resumir o nosso argumento. Temos encontrado três pontos essenciais que se aplicam ao bispo, e somente a ele, e provamos que o ofício do bispo é do esse da Igreja:
 

a) que em sua pessoa sacerdotal está reunida a plenitude do poder sacramental, de modo que em cada Igreja local ele representa Cristo o grande Sumo Sacerdote;
 

b) a unidade do ministério apostólico através dos séculos, que é mediada pela sucessão apostólica, representa a única missão de Cristo para a humanidade, e a torna disponível para os seres humanos;
 

c) que somente o bispo recebe e é responsável por exercer em sua plenitude a comissão apostólica.
Sei que seria difícil fazer tais afirmativas se nós estivéssemos pensando de modo meramente empírico e descrevendo o verdadeiro desenho do ofício episcopal ao longo da História da Igreja. Um objetor... destacaria que longe de ser um pastor chefe de todos os cristãos em um lugar ou região, o bispo, como hoje o conhecemos, é o cabeça de uma denominação religiosa, e que embora tenha sido no segundo e terceiro séculos primariamente uma pessoa litúrgica, agora ele é cada vez menos um ministro dos sacramentos, aparecendo como um administrador, um organizador, um pregador de muitos sermões e um dirigente de muitas reuniões e Comissões. Sendo assim difícil pensar nele como verdadeiramente representando a Igreja sobre a qual ele preside, quando seu clero e seu povo não tem voz na sua nomeação (NT: caso da Inglaterra). Mas, nós nunca afirmamos que todo o aparato organizacional episcopal da Igreja da Inglaterra de hoje seja de ordenança divina; nossa inteira preocupação tem sido adotar o modelo bíblico do ministério sagrado, de forma a aprendermos os verdadeiros princípios pelos quais o Anglicanismo e outras expressões do episcopado devam ser julgados. Em assim fazendo temos usado o apelo tradicional anglicano às Escrituras, com o objetivo de iluminarmos a natureza essencial da Igreja e do ministério.

Conclusão
.. deveremos, então, olhar sempre primeiro para a natureza celestial da Igreja, antes de nos voltarmos para uma imagem partida e confusa de uma sociedade terrena. Devemos ver o significado divino para a Igreja, como foi estabelecido nas Escrituras, a fé como é expressa nos Credos, os Sacramentos como meios que nos incorporam a Cristo, e a comissão apostólica que constitui o ministério.
 

... Devemos olhar para o ofício do bispo à luz do envio dos apóstolos, se nós o quisermos ver corretamente, e quando nós o encararmos assim, nós perceberemos que ele representa certos elementos essenciais no propósito divino para a cura do pecado dos homens, e para reuni-los em unidade. Mas, quando falhamos em começar desse ponto de vista, o que obteremos é uma variada confusão e degradação dos princípios bíblicos...
 

... Devemos, pois, começar com nosso Senhor, e com sua vontade de que sejamos um, com Ele como o centro e a verdadeira substância da unidade cristã, com sua morte e ressurreição, e nossa incorporação a Ele como seus membros, e com a missão de seus apóstolos de serem ministros da reconciliação. A partir daí poderemos ver o ministério da Igreja como portadores da Sua Palavra, como expressa em seu sacerdócio, no exercício do seu papel pastoral. Dessa concepção, o ofício do bispo é fundamental, por lhe ter sido confiada a plenitude da comissão ministerial que Ele deu a seus apóstolos. 



                                                        REVERENDO SAMPAIO...


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